O Homem do Lixo




                ... olhava do alto do prédio, o movimento de carros e pessoas na rua 10 andares a baixo e pensava : “como seria bom me espatifar naquele asfalto. Assim não seria preciso explicar a Aurora , que não haveria mais jantar na pizzaria as sextas feiras , não haveria mais passeios aos sábados no shopping nem praia nos domingos de sol, como pagaríamos escola das crianças.presentes de aniversário, não pagaríamos nada... porque já não tenho mais o emprego miserável escravizante que garantia essas coisas tão banais”.
                Nessa hora difícil e dolorida ele só tinha olhos para o trafego de carros e pedestres que pareciam formigas ao redor de uma cesta de piquenique, pensava juntar-se a eles de um salto e em segundos tornar-se parte do asfalto fundindo-se a ele e sumindo do mapa.
                Quando  os pensamentos  se voltam para os dois filhos ele sente um misto de vergonha e frustração, pensa  no asfalto lá na rua mas retrocede e se volta para a porta de emergência, que dava acesso ao prédio onde funcionava o escritório da empresa que o demitira após  15 anos  de serviços mau pagos  e muita dedicação.
                Ele abre a porta e encara os degraus que levam apenas para baixo, como uma analogia ao momento em que se encontra. Uma descida sem perspectiva de mudança de direção, uma ladeira em que ele se encontrava sem freio e sem direção. Apenas sentia-se levado pelas circunstâncias sem saber para onde ia. Certo apenas de seu desemprego e que apesar de seus 47 anos, teria de voltar a bater nas portas para arrumar algo que sustente sua prole. Os sentimentos que povoam seu coração são dos mais desfavoráveis, sua idade certamente será um empecilho, seu “probleminha” de saúde, um transtorno bipolar de humor com crises esquizofrênicas, faz seu temperamento oscilar do melancólico depressivo para o maníaco hiperativo e finalmente paranóico, tornando-o uma pessoa no mínimo enigmática e controversa.
                As escadas até o elevador pareciam não acabar nunca sob os passos vacilantes, cada perna parecia pesar uma tonelada, o que tornava a descida de cada degrau, lenta e vacilante. Ele só conseguia pensar na mulher e nos filhos, como ia contar-lhes o ocorrido. Dizer que o patrão era um desalmado arrogante, presunçoso, um verdadeiro porco capitalista, isso ele já fazia a 15 anos . Aurora ainda poderia manter alguma dignidade
                O elevador estava lotado. Ele só conseguia pensar em Aurora e nas crianças e na vergonha que sentia. A porta se abre, ele sente ser arrastado para fora do elevador, um sentimento de terror o domina, como num gesto de defesa arremessa a pasta a qual, abraçado, levava no peito. Anda,  alguns passos impelido por uma força que ele não conhece e sai do prédio, chegando a rua com o costumeiro burburinho de pessoas apressadas. Ele olha ao redor e uma vontade enorme de gritar se aloja em seu peito. Foi ai que ele percebeu o imperceptível, um ser meio humano meio bicho debruçava-se alheio a tudo e atento a todos, sobre a calçada uma montanha de papelão. Amarava, apertava tentava fazer caber no carrinho de supermercado lotado, mais algumas gramas de papelão. Agenor não sabia mas papelão e plástico não rendem muito, o que vale um bom dinheiro são as latinhas.
                Neste momento Agenor não sabia de nada disso, só sabia que seu peito ardia querendo explodir. Foi quando uma força inimaginável aflorou de sua garganta e um grito incontido saiu de sua boca.
                -AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!            
Todos que passavam e aqueles que saiam do prédio , assustaram-se com tamanha demonstração de falta de decoro, mas como de costume ninguém se meteu. Apenas o catador de lixo aproximou-se de Agenor e disse:
                -Ta com algum problema que eu possa te ajudar?
                Agenor meneou a cabeça negativamente e irrompeu em uma torrente de lagrimas, o catador de lixo aproximou-se e o abraçou. Ele fedia a sujeira mas o carinho de seu gesto desencadeou uma reação em Agenor, que chorava agora com menor intensidade abraçado ao catador de lixo em plena rua na frente do prédio onde funciona a empresa em que trabalhou por 15 anos e de onde havia sido demitido.Ele desabafou:
                -Tá vendo esse prédio? Trabalhei ai por 15 anos sem nunca faltar só saía antes do horário para ir ao médico, mas nada disso vale de nada a alguns minutos fui demitido sumária mente. Você acredita? 15 anos...
                E voltou a chorar. O homem já não o abraçava mais, perguntou:
                - Você tem um trocado pra comprar um traguinho?
Agenor meteu a mão no bolso e tirou de lá 5 Reais que entregou ao homem que o chamou com a mão para segui-lo. Ele entrou em um bar perto dali e comprou em um recipiente pet uma quantia considerável de cachaça levou Agenor pelo braço sem falar nada até a lateral do prédio onde ficavam as lixeiras e anunciou:
                - Amigo, minha humilde residência esta sempre aberta para os amigos e necessitados, tome acento e vamos conversar.
                Agenor sentiu tal ternura e compaixão na voz do homem, que falou de tudo, da sua vida profissional que não era La muito interessante, de seus filhos sua mulher até de alguns detalhes da vida conjugal. A tudo o homem ouvia com especial atenção, um sorriso no canto do rosto e ternura na voz.
                Depois de escutar e beber naquele beco por longo tempo, ouvindo o cidadão ele pergunta a Agenor:
-Sente-se melhor?
                -Sim esta tudo melhor. Acho só que nunca mais vou ter minha vida de volta.
O homem do lixo olha pra ele e pergunta:
                -Você se lembra a uns 5 anos você demitiu um faxineiro lembra. Não tinha filhos nem mulher. Você me disse que era a nova política da empresa... Você nem se lembra!
Afirma o homem do lixo olhando o outro nos olhos e esboçando um sorriso disse
                -Cara a vida é foda! Problemas todo mundo tem, eu tenho vários. Mas a vida é boa, apesar dos problemas, vale apena ser vivida.
                Agenor levantou-se meteu a mão na carteira, o homem fez que não com a mão e pegando a cachaça respondeu:
                -Isso basta!
Agenor virou-se tonto da cachaça que bebeu. Impressionado com a generosidade e com a lição aprendida do reciclador que parece havia sido seu funcionário a 5 anos. Dirigiu-se ao prédio onde trabalhou por 15 anos e na portaria encontrava-se Rubens o segurança do prédio, que lhe entregando a pasta disse:
- O Agenor taqui tuas tralhas, segue em frente e não volta mais aqui no prédio, esse negócio de gritar .... que que é isso rapaz... pô tu tem chilique bem na hora que o dono da firma que tu trabalhava sai pro almoço... ele falou pra tu mandar tua mulher vir receber teus papéis que tu assina e manda por ela de volta ...não é pra tu volta aqui no prédio.
O Agenor ouvia tudo com um semblante apático, meio fora do ar, a experiência com o catador de reciclável (Agenor agora via uma dignidade no homem que catava papelão no lixo), revelara a verdade que ele tanto procurou e que parecia sempre escapar, “felicidade esta no que?” “aonde?” ... perguntas sem resposta... até agora porque ele viu a luz! E ela veio através de um homem meio sujo que tomava pinga. Não através De um sacerdote ou do seu patrão ou dos políticos mas,ou qualquer pessoa instruída ou importante socialmente, mas através de alguém que ele pôs a margem da sociedade, que tinha carteira e direitos trabalhistas que pôr um motivo ou outro ele pusera  na rua, culpa do sistema..., ele exercia sua função de merda e ela o obrigava a fazê-lo. E o homem não parecia ter raiva dele, ao contrário o reconheceu e o tratou com carinho e respeito.
Agenor encontrou a resposta para todos os seus questionamentos: Felicidade é dar afeto, amor, dedicação sem esperar nada em troca, é socorrer quem precisa sem se importar quem seja.
Agenor pensava e rumava para o ponto de ônibus sua cabeça já não mirava o chão mas ele olhava nos olhos das pessoas e mesmo que ninguém reparasse nele, ele reparava nelas, agora com respeito e afeto nos olhos.
Quando chegou em casa, Aurora soube que algo acontecia mas esperou que ele falasse e ele disse tudo o que o incomodava em casa, no trabalho, com os filhos,enfim falou tudo, tomou fôlego e começou a enumerar as coisas que lhe faziam sentir alegria e no final disse a mulher:
-O amor que sinto por ti e pelas crianças é pelo que mais vale apena viver.
Abraçaram-se e riram com o coração aliviado, fizeram juras assim como quando eram namorados e riram da demissão afinal 15 anos ele tinha muito a receber e já que o patrão não proibira a sua entrada no prédio da firma ele iria contatar um advogado e cobrar cada centavo já que ele já havia sido demitido e já tinha assinado o aviso prévio ia pegar o que sobrou do salário e torrar um pouco com a patroa. Mas que tudo, ele iria viver a felicidade de estar vivo e de amar os outros.  

Alexandre Barcelos

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